Numa sociedade caracterizada pelas constantes alterações a nível sociocultural, uma das mudanças mais visíveis prende-se com o galopante aumento da taxa de divórcios, que deixou de ser um acontecimento raro, possuidor duma carga social muito negativa, e tornou-se num facto comum e aceite nos nossos dias, existindo vários estudos que apontam para que, dos casamentos que ocorrem actualmente, perto de 50% resultarão em divórcio.
As explicações para este fenómeno são várias, podendo passar por um menor peso da Igreja e dos seus valores na sociedade actual, o desejo de felicidade e realização pessoal sobreposto ao respeito pelas tradicionais regras sociais, um regime imediatista de todo o tipo de consumo, entre outras causas. Mais do que analisar as inúmeras razões que motivam um casal para a tomada de decisão de viverem separados, é importante reflectir que, com frequência, quem mais sofre com todo o processo é quem não tem qualquer responsabilidade por ele: os filhos.
Este é inevitavelmente um momento difícil para uma criança, provavelmente até mesmo o mais difícil pelo qual terá de passar na sua infância. Porém, os pais têm um papel fundamental no processo de adaptação à nova realidade e na forma como elabora a sua perda. Não poderão evitar que a criança sofra, mas poderão minimizar esse sofrimento.
A separação
Para potenciar esse processo de acompanhamento e ajuda a uma criança na fase do divórcio, é necessário encará-lo como um acontecimento duradouro, como algo que surge de um casamento infeliz, que requer a separação física, e se prolonga pelo resto da vida, sendo necessário adoptar uma diferente organização e dinâmica familiar. Este é um processo muitas vezes longo, que envolve uma complexa cadeia de acontecimentos que se repercutem por muitos anos.
Um divórcio altera todo o conceito de família que a criança possuía, obrigando-a a confrontar-se com a inevitável saída de um dos progenitores de casa e, na generalidade das crianças, com a perda do contacto diário com o mesmo. Este é sempre um acontecimento doloroso para uma criança, que a marcará. O modo como um filho vivência esse período, bem como os sentimentos com que é confrontada, variam de criança para criança, consoante a sua personalidade, a dos pais, o seu género, a sua e idade e maturidade, entre vários outros factores.
A panóplia de sentimentos que a criança poderá sentir é enorme, sendo muito frequente sentir angústia, medo de perda, de abandono, culpa, raiva, negação, tristeza e ansiedade. Quando um progenitor abandona o parceiro, é comum a criança também se sentir abandonada, e com medo de perder a ligação com o elemento que sai de casa. A frequente batalha por parte das crianças para que os pais não se separem (realidade que a criança procura evitar a todo o custo) suscita sentimentos de impotência, bem como a apreensão de que a sua opinião, os seus desejos não são significativos, e que não é capaz de controlar algo tão importante para a sua vida.
Pré-divórcio
As crianças percepcionam muito mais do que podemos imaginar e, dependendo da sua idade, é comum que sintam quando o casamento dos pais está em crise. Apesar dessa percepção, é natural que possuam receio em fazer questões, provavelmente com medo do que possam ouvir. Não obstante esse silêncio, desde o momento em que os pais tomam a decisão irreversível de se divorciarem, é importante prepararem os seus filhos para o que se suceder. Desta forma os pais, em conjunto, de forma sensata e calma, devem explicar as alterações que irão ocorrer. O facto de estarem todos juntos permite à criança encarar esta situação como uma decisão mútua, acordada por ambos os pais, de forma madura e racional.
Com o cuidado de adequar a linguagem à idade e maturidade do filho, é importante explicar de forma clara toda a situação. Na maioria destas, as crianças não necessitam de relatos muito elaborados. Basta explicitar de forma simples o que é um divórcio, as mudanças que ocorrerão na vida dos pais e na dos filhos, em traços gerais, as razões do divórcio (evitando pormenores ligados a questões sexuais ou actos de infidelidade, caso estes ocorram). Aos filhos, poderá ser difícil compreender e aceitar essa nova realidade. Cabe aos pais, sempre que necessário, e com a devida paciência, voltar a repetir o anteriormente explicado, por outras palavras, as vezes que a criança sentir necessidade. Ela saberá transmitir quando tiver assimilado a nova informação, provavelmente elaborando uma nova questão.
É natural o surgimento de sentimentos de culpa, por parte das crianças, por se percepcionarem causadoras da separação dos progenitores. Aos pais, cabe explicar aos filhos que estes não são culpados da situação, antes pelo contrário, as crianças são o melhor que o casamento lhes trouxe. Importa esclarecer que já existiu amor entre os pais, tal deixou de se verificar, mas o amor pelos filhos irá manter-se para sempre, tal é impossível de mudar. Desta forma, além de estarmos a ajudar a criança a lidar com os sentimentos de culpa, estaremos a validar e a combater o medo de perder o amor dos seus pais, em especial o de quem sai de casa.
Ao se deparar com a notícia, o filho poderá ter dificuldades em aceitá-la como algo definitivo. É conveniente que os pais manifestem a firmeza e a irreversibilidade da decisão e, quando já planeada, informá-la da data concreta de saída de casa do pai/mãe. Mais uma vez, manifestem ao filho que não está no poder dela impedir essa separação, nem depende de si o reatamento da relação, é uma decisão dos pais, pela qual ele não é minimamente responsável.
É comum o casal procurar esconder os seus sentimentos, não só nesta, mas na maioria das situações penosas por que passam. Esse comportamento é legítimo e compreensível, pois parte do desejo de querer poupar às crianças a dor dos pais. Porém, a criança é indissociável da família e, tal como a maioria dos mecanismos que adquire, ela aprende a lidar com os sentimentos vivenciando-os e, preferencialmente, junto dos seus pais, que são os seus modelos. O acto de partilharem os seus transmite-lhes a ideia de não serem os únicos a sofrerem com a situação, permitindo-lhes sentirem-se menos isolados e mais apoiados. Mais uma vez se pede honestidade em todo este processo, e tal verifica-se igualmente ao nível dos sentimentos, em que pais e filhos devem poder expressar livremente a tristeza que sentem, sendo esse o primeiro passo para o processo de adaptação à nova realidade.
Bilhete de Identidade: PAIS
O divórcio dos pais acarreta sempre sofrimento. Não obstante toda a dor causada, a nível emocional, todo o processo antes e depois da separação é mais relevante que o divórcio em si. Vários estudos demonstram que os filhos submetidos a relações conflituosas entre os pais, seja através de agressões verbais ou físicas constantes, ou mesmo casamentos caracterizados pela inexistência de comunicação, diálogo, centradas no silêncio, proporcionam com maior frequência crianças com problemas de comportamento e de socialização do que as cujos pais se divorciaram.
Em contrapartida, diferentes estudos apontam para que a existência de um bom diálogo entre os pais após o divórcio é um dos melhores predictores de ajustamento psicológico das crianças fruto de pais divorciados. Ou seja, só por si, o divórcio não é sinónimo de problemas emocionais nas crianças mas, todavia, é necessária a consciência que a parentalidade não termina (ou diminui) após o divórcio, verificando-se a necessidade de continuidade e estabilidade das relações afectivas com ambos os pais, e um adequado entendimento e respeito entre ambos os progenitores.
Pós-separação
Um homem e uma mulher podem divorciar-se um do outro, mas o mesmo não pode acontecer com os filhos. Separar o papel de marido e mulher do de pai/mãe é uma tarefa que os pais terão de encarar como decisiva na forma como a criança vivência o divórcio dos pais. Esse é um papel para a vida, e que deve ser aceite e cumprido com responsabilidade e amor por ambos os progenitores, antes, durante e após o processo de divórcio.
Muito embora todos os prejuízos causados por um divórcio, uma família só com a presença da mãe ou do pai pode facultar um ambiente mais saudável para o desenvolvimento de uma criança, do que a coexistência numa família em permanentes conflitos, caracterizada pala falta de comunicação e de amor.
A ruptura da família é encarada como um problema de difícil resolução para a maioria dos filhos, mesmo tendo em conta que geralmente se apresenta como a única solução para por termo a todo um cenário de conflitos e dor. Os filhos, envoltos em todo o processo, necessitam, por parte dos pais, de serem salvaguardados de todos os conflitos, discussões e disputas tão frequentemente associadas a este período.
A criança necessita de elaborar a sua dor, de adaptar-se a todas as alterações na sua realidade. Para que todo esse processo decorra de forma saudável, é preciso sentir que, apesar do divórcio, o seu amor pelos pais, e o destes por si não será posto em causa. Ela poderá gostar sempre dos dois e nunca terá de escolher entre eles, independentemente do progenitor que ficou com a sua custódia, e daquele que saiu de casa.
Na maioria das acções de divórcio, a custódia dos filhos é atribuída à mãe. Nestes casos, ou quando o inverso ocorre, é necessária a consciência que as crianças necessitam de contactos frequentes e regulares com ambos os progenitores. Para o seu desenvolvimento psicológico e social, as crianças precisam de possuir uma boa imagem do pai e da mãe, necessitam duma relação saudável, estável e positiva com ambos os progenitores.
Manutenção das rotinas
Tanto quanto possível, as rotinas diárias deverão ser mantidas (hora de acordar, deitar, ir para a escola, refeições, etc.). Este procedimento permite minimizar a sensação de intranquilidade e turbulência que caracteriza este período, consequência de todo o desmoronar da imagem familiar que a criança possuía. Estes actividade e rotinas permitem à criança a sensação de alguma normalidade no seu ambiente, transmitindo-lhes segurança e conforto.
É importante que as crianças se mantenham a frequentar a mesma escola mas, se tal não for possível, a manutenção das redes de contacto que possuía antes do divórcio (amigos, colegas de escola e outras actividades extracurriculares, etc.) é uma importante forma de obterem apoio de pessoas significativas, bem como possibilitar divertirem-se e esquecerem por momentos o momento difícil por que passam. No mesmo sentido, a família alargada (avós, tios, primos) poderá ser uma forte fonte de apoio, compreensão e, em muitos casos, oferecem modelos de organização familiar, em que a criança pode procurar compreensão e estabilidade.
Aos pais
Sumariamente, ao longo deste artigo, procurou-se realizar uma reflexão sobre a forma como as crianças sentem e vivenciam a separação dos pais e as suas repercussões psicológicas. Mas, fundamentalmente, procurou-se que, através duma maior consciencialização do sofrimento dos prejuízos emocionais a que as crianças estão sujeitas, os pais aceitem a responsabilidade do seu papel, e se consciencializarem de que é necessário esforço e discernimento, para colocar os interesses dos seus filhos acima dos seus próprios. Pede-se-lhes que assumam a parentalidade, e que desempenhem esse papel para a vida.
Psicólogo Bruno Gomes
Referências/Leituras recomendadas
Mallon, Brenda (2001) Ajudar as crianças a ultrapassar as perdas.Âmbar, Lisboa.
Marcelli, Daniel (2005) Infância e Psicopatologia. Climepsi Editores, Lisboa.
Poussin, G. & Martin-Lebrun, É. (1999) Os filhos do divórcio. Psicologia da separação parental. Terramar, Lisboa.
O IPPI da Póvoa de Santo Adrião está de parabéns pela iniciativa que consegue manter periodicamente, nomeadamente o Psicólogo Dr. Bruno Gomes pela dinâmica e realização destas palestras. A mim resta-me agradecer não só a oportunidade da partilha como os laços criados com esta instituição!Fica também o meu testemeunho em:
ResponderEliminarhttp://pontosdevista-ec.blogspot.com/2011/04/encontro-de-pais-perdas-da-separacao.html
Os encontros de Pais aos quais tive a oportunidade de assistir são sem duvida uma grande fonte de informação, partilha de experiências e de duvidas tambem, obrigado pelos temas tratados que são sempre bem recebidos.
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